ATA DA QUADRAGÉSIMA QUINTA
SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA TERCEIRA
LEGISLATURA, EM 08-11-2001.
Aos oito dias do mês de
novembro do ano dois mil e um, reuniu-se, no Salão dos Espelhos do Clube do
Comércio, a Câmara Municipal de Porto Alegre, nos termos do artigo 7º, § 1º, do
Regimento. Às dezesseis horas e vinte e cinco minutos, constatada a existência
de quorum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente
Sessão, destinada à entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao escritor
Tabajara Ruas, nos termos do Projeto de Resolução nº 052/01 (Processo nº
2325/01), de autoria da Vereadora Helena Bonumá. Compuseram a MESA: o Vereador
Carlos Alberto Garcia, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre em exercício;
o Senhor João Verle, Prefeito Municipal de Porto Alegre em exercício; o Senhor
Paulo Flávio Ledur, Presidente da Câmara Riograndense do Livro; o Senhor Luiz
Marques, Secretário Estadual de Cultura; o escritor Tabajara Ruas, Homenageado;
a Vereadora Helena Bonumá, 1ª Secretária da Câmara Municipal de Porto Alegre. A
seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do
Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome
da Casa. A Vereadora Helena Bonumá, em nome das Bancadas do PDT, PPB, PTB, PFL,
PMDB, PHS, PSB e PPS, teceu considerações acerca da vida pessoal e profissional
do Senhor Tabajara Ruas, avaliando a dimensão da obra artística e literária
produzida por Sua Senhoria e justificando os motivos que levaram Sua Excelência
a propor a concessão da presente honraria ao Homenageado. O Vereador Estilac
Xavier, em nome da Bancada do PT, cumprimentou a Vereadora Helena Bonumá pela
iniciativa de propor a concessão do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao
escritor Tabajara Ruas, mencionando aspectos atinentes aos livros escritos por
Sua Senhoria e destacando, em especial, a obra intitulada “Netto Perde Sua
Alma”. O Vereador Raul Carrion, em nome da Bancada do PC do B, destacou a
justeza da homenagem hoje prestada pela Câmara Municipal de Porto Alegre ao
escritor Tabajara Ruas, discorrendo sobre a militância política desenvolvida
pelo Homenageado ao longo de sua vida, notadamente no período da História
Contemporânea em que o Brasil foi governado por militares. Após, o Senhor
Presidente concedeu a palavra aos Senhores Paulo Flávio Ledur e Luiz Marques,
que saudaram o Homenageado, salientando a importância da concessão do Prêmio
Literário Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas. A seguir, o Senhor
Presidente convidou a Vereadora Helena Bonumá a proceder à entrega do Prêmio
Literário Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas, concedendo a palavra ao
Homenageado, que agradeceu o Prêmio recebido. Em continuidade, o Senhor
Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino
Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, agradeceu a presença de todos e
declarou encerrados os trabalhos às dezessete horas e dezesseis minutos,
convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental.
Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Carlos Alberto Garcia e
secretariados pela Vereadora Helena Bonumá. Do que eu, Helena Bonumá, 1ª
Secretária, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em
avulsos e aprovada, será assinada por mim e pelo Senhor Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Carlos
Alberto Garcia): Estão
abertos os trabalhos de presente Sessão Solene, destinada à entrega do Prêmio
Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas. Convidamos para compor a mesa o
homenageado, escritor Tabajara Ruas; o Prefeito em exercício de Porto Alegre,
João Verle; a proponente desta Sessão, Ver.ª Helena Bonumá; o Presidente da
Câmara Riograndense do Livro, Paulo Flávio Ledur e o Secretário de Cultura do
Estado, Luiz Marques.
Convidamos todos os presentes para, em
pé, ouvirmos o Hino Nacional.
(Executa-se o Hino Nacional.)
Para a Câmara Municipal de Porto Alegre,
hoje é um dia muito especial, por poder sair de seu local habitual e estar,
neste momento, aqui no Clube do Comércio, o centro da literatura do nosso País,
nestes dias. Um dia todo especial, um prêmio do mais alto significado, que é o
Prêmio Érico Veríssimo, cuja proposição foi apresentada pela Ver.ª Helena
Bonumá à Câmara de Porto Alegre e foi aprovada pelos trinta e três Vereadores,
mostrando, por si só, a importância e a sabedoria da Casa em reconhecer no
escritor Tabajara Ruas a contribuição da sua obra, não só para a Cidade de
Porto Alegre, mas para o Estado e para o País.
A Ver.ª Helena Bonumá está com a palavra
e falará em nome do PDT, PPB, PTB, PFL, PMDB, PSB e PHS.
A SRA. HELENA BONUMÁ: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda
os componentes da Mesa e demais presentes.) Familiares de Tabajara Ruas, este
aqui é um salão de baile, não é exatamente um salão de homenagens. Mas, nós
quisemos aproveitar a oportunidade da Feira do Livro e fazer esta homenagem
mais próxima da Feira. Não é, para nós, uma homenagem formal, portanto, não é
apenas para cumprir rito. Ela tem um significado político importante nos tempos
que nós vivemos. A proposição do nosso mandato à Câmara de Vereadores se insere
num trabalho que nós procuramos fazer, que é contribuir para a inversão da
lógica histórica de funcionamento do Parlamento no Brasil, de esforço de
construir, de fato, espaços democráticos de participação que repercutam a
riqueza, a contradição da sociedade e, no caso da Cidade em que vivemos, que
saibam resgatar os elementos, os autores, a história desta sociedade em que
vivemos. O resgate, portanto, que nós fazemos, com esta homenagem, da trajetória
pessoal de Tabajara Ruas.
Começo pela história pessoal, porque é
uma história que se identifica com a história de luta por democracia em nosso
País e que é exemplo dela. O Tabajara militante, o Tabajara que se exilou, o
Tabajara que constrói, na sua obra, resgatando elementos importantes da nossa
história, constrói portas abertas para o futuro, a partir da afirmação da
possibilidade de uma utopia. Portanto, nós queremos fazer homenagem a este
militante da luta social, militante da vida, que é um artista e, com o seu
trabalho, tem contribuído para a afirmação, para o resgate e para a recriação
da nossa história, da nossa esperança. E também para a Câmara de Vereadores é
uma solenidade importante, porque a Câmara de Vereadores de Porto Alegre é a Câmara
de uma cidade que vivencia experiência democrática de gestão, onde, mais além
de toda a experiência histórica de construção da Cidade, peculiar, singular que
é Porto Alegre, se soma um exercício de alguns anos, que tem sido reconhecido
em todo o mundo, de participação ativa da comunidade nas mais diferentes áreas,
buscando construir concretamente espaços de decisão sobre os rumos da nossa
história enquanto cidade. E nesse processo se afirma uma cidadania nova, com
qualidade nova. E nesse processo se afirmam espaços democráticos de
participação. E nesse processo se afirmam novos valores de solidariedade,
inversos à lógica que vivemos. E é nesta Cidade, que busca construir uma nova
cultura, que é importante o reconhecimento e a afirmação de uma obra como a de
Tabajara Ruas. Tabajara, que tem na sua obra a luta contra o autoritarismo e a
violência. Tabajara, que tem na sua obra o resgate de momentos históricos
importantes da nossa Constituição, como o “Neto” e o drama da época, o drama do
personagem e o drama da história. Como a Região Submersa, que fala de uma época
mais próxima de nós e que nós, como militantes sociais e políticos, lutamos
para transformar. E o Tabajara que fala do drama e da vida do momento.
Eu entendo que em realidade esta Cidade,
que é Porto Alegre, que hoje, através da sua Câmara de Vereadores, homenageia a
obra de Tabajara Ruas, vive, em nível do nosso País e mesmo em nível
internacional, que é o reconhecimento que nós temos do Fórum Social Mundial, um
processo que merece a nossa reflexão, que é um processo de recriar, de se
recriar como sociedade, de se recriar como cidade. E é para isso que
precisamos, Tabajara - como nós conversávamos outro dia -, aprofundar o debate
sobre essas questões que a literatura nos traz, que a arte nos traz, que a arte
e a literatura nos propiciam e que têm de ser elementos fundantes de um novo
projeto, que faça avançar a potencialidade da nossa capacidade crítica, que
recupere os elementos importantes da nossa história, e que principalmente se
transforme em um futuro melhor para todos, como nós almejamos.
O resgate, portanto, que fazemos como
mandato, como Câmara de Vereadores, como instituição, nesta 47ª Feira do Livro
- porque esta também é uma cidade que é feliz, alegre, porque já tem, há tantos
anos, nessa experiência afirmada e reafirmada da Feira do Livro, um exemplo da
capacidade da sua população, que busca ser crítica, que busca ser criativa, que
busca se reafirmar com direitos de cidadania -, entendo que este resgate que
nós fazemos, esta solenidade fora do âmbito da Câmara, aqui, junto à Feira do
Livro, tem o significado de que nós entendemos que na sociedade em que vivemos,
na Cidade em que vivemos, nós fazemos uma disputa de projetos, nós fazemos uma
disputa de construção de um mundo novo.
Nós queremos afirmar que um outro mundo é
possível. É um mundo que faz parte dos nossos sonhos, mas que nós construímos
principalmente com a nossa ação, com a nossa arte, com a literatura, com a
intervenção política, com a construção que cada cidadão e cidadã desta Cidade
faz ao participar, ao se afirmar como cidadão de Porto Alegre.
Eu deixo o meu abraço, o abraço do nosso
mandato ao Tabajara e à sua família. Mais uma vez resgato essa dimensão
importante: a busca de uma utopia no trabalho, na afirmação, no resgate
histórico de afirmação de que um outro mundo é possível. Muito obrigada.
(Palmas.)
(Não revisto pela oradora.)
O SR. PRESIDENTE (Carlos
Alberto Garcia): O Ver.
Estilac Xavier está com a palavra e falará em nome do PT.
O SR. ESTILAC XAVIER: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda
os componentes da Mesa e demais presentes.) Familiares e amigos do homenageado,
estimada Ver.ª Helena Bonumá, proponente da homenagem. Helena Bonumá, Vereadora
e amiga, pessoa por quem nutro afeto pessoal e respeito pelo trabalho que
compartilhamos numa Bancada minoritária dentro da Câmara de Vereadores, num
espaço democrático, no qual ela, com sua serenidade, tranqüilidade, experiência
e maturidade têm, por certo, sido um suporte fundamental para o perfil que
temos hoje na nossa Câmara.
Em primeiro lugar, quero registrar isso,
Ver.ª Helena.
Em segundo lugar, sinto-me honrado em
estar, neste momento, como Líder do Partido dos Trabalhadores na sua Bancada,
eis que essa oportunidade me permitiu que viesse a esta Sessão em que se
entrega essa distinção que a Câmara Municipal de Porto Alegre, como
representação política do Poder Municipal, faz, por justa e merecida entrega,
ao escritor Tabajara Ruas.
Digo homenageado e honrado, porque são
tempos muito difíceis. Permitam-me dizer que não li toda a obra de Tabajara
Ruas, mas a conheço pela dimensão e vulto que ela tomou, no espaço cultural e
político. Mas, uma obra que eu li e um filme, a partir da sua obra, que eu vi, Neto Perde sua Alma, me leva sempre a
pensar naquele personagem, naquele jovem general, que, isolado nas suas
convicções, trágicas e épicas ao mesmo tempo, não queria assinar um acordo que
não contemplasse os negros que lutavam na guerra. Isolado nessa dimensão
histórica e humana, creio que ali está uma identidade que deve associar os
compromissos dos homens públicos, das expectativas e as esperanças que eles
arrastam e que não podem ser jamais abandonadas. É um tempo difícil, mas também
de muita esperança. E nós pretendemos, dentro da nossa modesta contribuição
partidária, fazer com que este espaço público, na Cidade de Porto Alegre, no
Governo do Estado e no Brasil, tenha o significado, a relevância e a dimensão
humana que é dada à figura do general em Neto
Perde sua Alma. Que fique aqui registrada a forma com que o nosso Partido,
a nossa Bancada hoje expressa a sua homenagem – justa homenagem -, na entrega
deste Prêmio Érico Veríssimo. Pode estar certo que, ao trazermos para o Salão
dos Espelhos do Clube do Comércio, estamos refletindo tudo e um pouco daquilo
que nós queremos para que a Cidade de Porto Alegre e o Brasil percebam, na
dimensão humana de seu trabalho, na sua contribuição política e na sua
militância, uma saída para todos nós. Mas que seja verdadeiramente democrática
e essencialmente justa.
Fica o nosso agradecimento, que é a nossa
homenagem, e, ao mesmo tempo, o nosso reconhecimento. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE (Carlos
Alberto Garcia): Registramos
a presença do Ver. Marcelo Danéris, Vice-Líder do PT, e do Sr. Roque Jacob,
que, neste ano, já assumiu inúmeras vezes como Vereador, na Câmara Municipal.
O Ver. Raul Carrion está com a palavra e
falará em nome do PC do B.
O SR. RAUL CARRION: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda
os componentes da Mesa e demais presentes.) Eu queria, neste início, deixar um
abraço fraterno, não só meu, mas do Partido Comunista do Brasil, PC do B, ao
nosso Tabajara – na verdade Marcelino Tabajara Gutierrez Ruas, conhecido por
todos como Tabajara Ruas -, cidadão do mundo na verdadeira acepção que lhe deu
Maiakovski, e que, talvez, nessa caminhada por este mundão afora recolheu tanta
experiência, tanta sabedoria, tanto conhecimento, que nos brinda, na sua enorme
obra literária, artística, tão corretamente homenageada hoje.
Apesar de nunca ter tido uma relação
pessoal mais estreita com o Tabajara, há muitos anos nos conhecemos e, talvez,
em momentos cruciais para ambos e decisivos para as nossas vidas e para os
rumos que tomamos, tivemos coincidências e convivências. Recordando algumas,
porque falar sobre a obra do Tabajara seria supérfluo. Primeiro, na década de
60: ele estudante da Arquitetura, eu estudante da Engenharia, ambos da UFRGS,
onde atuamos ativamente no Movimento Estudantil e na resistência à ditadura,
sofrendo as conseqüências daí advindas. De 71 a 73 também estivemos no Chile.
Eu havia sido preso aqui, em maio, e para lá segui em agosto. Não sei
exatamente quando o Tabajara foi, por outros rumos e outros caminhos. Ele em
Valparaiso, eu mais em Santiago. Não me lembro se no exílio nos encontramos –
passam-se os tempos, envelhecemos, mas me recordo, já na embaixada argentina,
logo após o golpe de Pinochet, onde durante meses lá estivemos convivendo, nas
grandes assembléias, com cerca de quinhentos exilados brasileiros que se acotovelavam
na embaixada argentina. Depois de muita resistência do governo argentino, que
não nos queria como asilados, apesar de todos os tratados internacionais,
primeiro fomos parar em Empedrad, nas barrancas do rio Paraguai, creio que na
Província de Formosa. Depois de mais alguns meses ali, conseguimos como que um
trânsito por Buenos Aires – me recordo na Calle Combate de Los Pozos, onde mais
alguns meses aguardamos sob os cuidados da ACNUR, o Alto Comissariado das
Nações Unidas para Refugiados, para, quem sabe, ir para a Europa. Eu acabei
ficando por lá, clandestinamente. Tu seguiste para a Dinamarca. E depois
voltamos a nos encontrar já no Brasil, no período da luta da redemocratização e
da luta pelas transformações sociais inadiáveis do nosso País. E sempre o
Tabajara, um homem afável, sempre sorridente, criativo, imaginativo, digno, sem
qualquer vacilação, atitude que conserva até hoje, num período de tantos
trânsfugas, tantos arrependidos, com a clareza, com a clarividência, com a
sensibilidade que um artista tem, que não pode se conformar com este mundo que
hoje nós vivemos e com a confiança de que outro mundo é possível. Mas, para que
outro mundo seja possível, é necessário que outros homens e outras mulheres
sejam possíveis, de outra forma.
Eu queria deixar um grande abraço. Que
perseveres, tanto nessa caminhada artística, nessa caminhada como homem
sensível às dores, aos sentimentos do nosso povo, mas também um cidadão, acima
de tudo, que se indigna com a injustiça, com a opressão, com a exploração, e faz
também da arte uma arma importante para transformar o mundo. Um grande abraço e
parabéns, mais uma vez. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE (Carlos
Alberto Garcia): Nós
teremos agora uma palavra especial. Não é de nenhuma bancada, é da bancada da
Feira do Livro. O Sr. Paulo Flávio Ledur, Presidente da Câmara Riograndense do
Livro, está com a palavra.
O SR. PAULO FLÁVIO LEDUR: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda
os componentes da Mesa e demais presentes.) Amigas e amigos do livro, eu não
pertenço à bancada de Vereadores da Câmara de Vereadores, mas pertenço à
bancada da Câmara Riograndense do Livro. Sinto-me muito honrado em representar
essa Câmara perante o nosso Legislativo Municipal. Quero dizer que a Feira do Livro
sente-se homenageada ao receber, mais uma vez aqui, nesta Sessão Solene da
Câmara, que faz a entrega do já consagrado Prêmio Erico Veríssimo. Aliás, é a
terceira vez consecutiva que isto acontece no ambiente da Feira do Livro. E
prova, mais uma vez, que a Feira do Livro é o evento cultural mais amado do
mundo. Nós somos pretensiosos, mas a Câmara de Vereadores está reconhecendo
isso.
Eu trago também a palavra do nosso
patrono, Tabajara. Ele é muito solicitado na Feira do Livro e neste momento
está em palestra em outro evento, nos ambientes da Feira do Livro. Por isso,
pediu-me que lesse um bilhete que está deixando para o nosso homenageado:
“Tabajara, impossibilitado de comparecer pessoalmente à entrega do Prêmio Érico
Veríssimo, que te será conferido pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre,
envio-te este bilhete. És um romancista de imenso talento. E por essa razão, o
Prêmio é um reconhecimento público do teu trabalho, merecidíssimo. És um dos
poucos escritores brasileiros que, além de produzirem obras ficcionais
inesquecíveis, possuem aquilo que constitui a glória de um autor: estilo. Ou
seja, és um mestre da linguagem concisa, ágil, eletrizada de emoção e de uma
cristalina elegância. Tabajara, és também um grande caráter. Tua integridade
preserva, neste início de século, a maravilhosa ética do fio do bigode de
nossos ancestrais. És, enfim, um amigo fiel e carinhoso, daqueles sem os quais
no próprio paraíso não estaríamos felizes. Aceita o meu abraço fraterno e
carinhoso e, nele, o abraço de todos os leitores, cuja pátria é a língua
portuguesa. O Rio Grande te agradece o talento, e eu te agradeço a amizade.
Armindo Trevisan.”
Das palavras do Armindo Trevisan faço
também minhas palavras. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE (Carlos
Alberto Garcia): Esta é
a grande vantagem da Feira do Livro, que é um lugar essencialmente cultural.
Por falar em cultura, está com a palavra o Secretário de Cultura do Estado,
Luiz Marques.
O SR. LUIZ MARQUES: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda
os componentes da Mesa.) Sr. Ledur, que preside uma outra Câmara muito
importante, que é a Câmara Riograndense do Livro, responsável maior pela
maravilha que temos aqui na Praça, orgulho não só dos gaúchos, mas dos
brasileiros, que é a Feira do Livro já na sua 47ª edição.
Três observações muito rápidas a respeito
deste Prêmio. Uma, o fato dele se realizar no Salão dos Espelhos desta
instituição, um local muito adequado, muito apropriado para quem dedica a sua
vida à cultura e às artes, não apenas à literatura, mas também - como vimos há
pouco tempo e ainda nas salas, esperando novos espectadores -, com o filme que
arrebatou quatro kikitos no Festival de Gramado, Neto Perde a sua Alma.
Tabajara é um homem da cultura multifacetado, que faz transbordar o seu talento em várias manifestações artísticas. E é capaz de fazer com que cada um de nós se faça melhor. Num trabalho que, ao contrário do que se possa pensar, muitas vezes exige uma legião de colaboradores, outros talentos.
E eu gostaria de tomar a liberdade para
citar dois que estão aqui prestigiando esta cerimônia: dois combatentes da
causa da República e da causa da abolição: o nosso companheiro Silmar e o nosso
querido Werner Schunemann. O Salão dos Espelho é o local apropriado para quem,
através da ferramenta que é a arte, nas suas diversas vertentes, procura
descobrir os segredos, as contradições, as complexidades da alma humana. Mas,
segundo a informação em relação ao Tabajara, esse militante da sensibilidade
humana, militante da consciência crítica, esse militante do nosso tempo tem a
ver com o reconhecimento. O reconhecimento em vida. Um antigo filósofo, Hegel,
dizia que é a história da humanidade, outros depois diriam que ela é uma
permanente luta de classes. Para Hegel, no entanto, era uma luta pelo
reconhecimento.
A homenagem do Tabajara deve ser
incorporada por todos nós como um lembrete de que a luta que travamos é por uma
sociedade que mereça o nome de republicana, que tenha valores igualitários e
solidários presentes nas relações sociais cotidianas de todos. É também uma
forma de nos dizer que essa sociedade pela qual nós tanto lutamos só será
alcançada na medida em que nós resolvermos os graves problemas históricos,
sociais que afligem nosso povo, os graves problemas econômicos históricos que
afligem nosso povo. Mas que nós sejamos também capazes de saldar uma outra
dívida. A dívida que nós temos para com o nosso povo – os poderes públicos, de
uma forma em geral; as classes detentoras do capital, de uma forma particular
–, para com a cultura e para com as artes. Esse reconhecimento amplia a nossa
noção de cidadania, até uma cidadania social, econômica e cultural. Que bom, do
fundo do coração, Tabajara, que esse lembrete que amplia, dá mais envergadura,
a nossa luta, tenha como prócer no dia de hoje o Tabajara Ruas. Muito obrigado,
Tabajara, por existirem pessoas como tu és, em primeiro lugar. Muito obrigado
pelo trabalho que dignifica a todos nós. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): Convido a Sr.ª Helena
Bonumá a proceder à entrega do Prêmio Érico Veríssimo ao escritor Tabajara
Ruas.
(Procede-se à entrega do Prêmio.)
(Palmas.)
O Escritor Tabajara Ruas está com a
palavra.
O SR. TABAJARA RUAS: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda
os componentes da Mesa e demais presentes.) Antes de mais nada, quero deixar
claro que esta é, para qualquer escritor, uma ocasião extraordinária. Para mim,
de modo particular, é extraordinária, não somente pelas circunstâncias formais
deste ato, ou pela generosidade do poder que o propiciou, mas porque, de alguma
maneira, talvez uma maneira misteriosa, afinal é a maneira como se decidem os
destinos humanos, minha vida sempre esteve ligada, de modo íntimo e emocional,
com a Cidade de Porto Alegre e a obra caudalosa e única de Érico Veríssimo.
Eu nasci às margens do rio Uruguai. Minha
pequena Cidade, na imensidão do Pampa, é a Cidade de Uruguaiana. A obra de
Érico Veríssimo foi a primeira ruptura estética no universo cultural do
adolescente que morava na Cidade da fronteira. De Érico Veríssimo recebi a
maior das lições, que ainda vale muito nos dias de hoje. Essa lição, simples e
verdadeira, está em todos os seus livros e consiste em entender que a grandeza
está à nossa volta, basta saber olhar e saber ver.
Da Cidade de Porto Alegre eu recebi o
estímulo à capacidade de sonhar. Meus amigos, como aquele bando de adolescentes
sonhava com a Cidade de Porto Alegre, lá na distante Uruguaiana! Porto Alegre
era nosso farol e nosso guia!
Para os escritores, as palavras parecem
sempre insuficientes, ou pouco claras, ou dúbias. Eu gostaria de poder explicar
aqui, bem claro, que sinto, verdadeiramente, no meu íntimo, que esta homenagem
não é apenas para mim, indivíduo, mas para um membro daquele grupo de
adolescentes que tinham sonhos comuns de beleza e de justiça e que conviviam na
distante Cidade na fronteira com a Argentina. Alegra-me pensar que esta
homenagem também é para a turma do ginásio do Colégio Santana, do científico do
Dom Hermeto, do grupo que ficava até a madrugada na esquina da rua Duque, ou
nas arquibancadas do Esporte Clube Uruguaiana, falando, pensando, temendo e
desejando aquela cidade anunciada no nosso destino, a capital do Rio Grande do
Sul, a distante cidade mítica e enigmática dos numerosos cinemas e teatros, e
do Grêmio e do Inter, e dos concertos e exposições.
De um modo ou de outro, todos acabaríamos
pisando o chão de Porto Alegre, para o bem ou para o mal. Chegávamos a Porto
Alegre exasperantemente jovens, exasperantemente temerários, ignorantes e inocentes
como jamais seríamos outra vez. Íamos estudar arquitetura, medicina,
engenharia, jornalismo, íamos entrar na política, íamos ganhar dinheiro, íamos
conquistar o mundo, íamos saber que, afinal de contas, éramos. Cada um de nós
com seu sonho secreto! Havia uma ditadura no País e em Porto Alegre ela estava
na nossa cara. Em Porto Alegre éramos obrigados a escolher. Em Porto Alegre
nossa geração aprendeu a tomar partido. Na praça da Redenção eu li A Rosa do Povo, no cinema Avenida eu
assisti Rocco e Seus Irmãos, no
cinema Cacique eu assisti Deus e o Diabo
na Terra do Sol, no Teatro de Arena eu assisti A Resistível Ascensão de Artur, no Teatro de Arena, após a sessão,
prenderam todo o elenco – Luiz de Miranda, inclusive. Naqueles dias, no final
dos anos 60, vi um estivador mostrar a jaqueta ensangüentada para o Governador,
numa janela do Palácio Piratini. Ouvi a autoridade dizer que aquilo era um
abuso de poder que jamais se repetiria. Repetiu-se, sabemos, com esse ou
aquele, mas isso não significou confusão ou desesperança.
Em Porto Alegre começamos a pensar como
adultos, no grande país que nos coube viver. Descobrimos – e isso ainda nos
abala, e muito – que em cinco séculos, a visão civilizatória do europeu
destruiu flora e fauna que conviveram mais de quinze mil anos com os povos
ameríndios. Em quinhentos anos, a visão evangelizadora e escravista do europeu
executou um genocídio do qual pouco se fala ou se explica. Apenas aqui, na
região Sul do Brasil, viviam mais de quinhentos mil indígenas; hoje, restam
menos de dez mil. Da orgulhosa nação Guarani, restam menos de setecentos
sobreviventes no Rio Grande do Sul.
O que nos cabe indagar, como cidadãos de
hoje, antes de nos entregarmos às lamentações, é se essa visão predatória,
genocida, escravista ainda perdura, mesmo que sob disfarces sutis. Nos dias de
hoje, o ódio se espalha no planeta como uma doença. Bem-aventurada esta Cidade,
que escolhe um poeta para patrono da sua maior festa! Que a poesia de Armindo
Trevisan, o poeta do amor, caia sobre nós como chuva e nos encharque com sua
beleza! Porto Alegre, para quem foi jovem nela, soube ensinar as nuances – e
tenho certeza que a magia continua nos dias de hoje.
Em Porto Alegre, eu vi Pelé driblar nove
jogadores do Grêmio. Uma vez, na fila do restaurante Universitário, na João
Pessoa, eu vi Érico passar sorrindo e abanando para os estudantes. Em Porto
Alegre, eu fui obrigado a confiar cegamente na palavra do companheiro. Em Porto
Alegre, muitas vezes – o Raul sabe – jogamos o jogo verdadeiro, onde a derrota era
o cárcere ou a morte. Em Porto Alegre, prestei atenção ao outono e aprendi que
até a mais ligeira brisa roçando no rosto de um homem pode mudar uma página ou
uma vida.
Eu quero dividir este Prêmio com a minha
família - minha mulher e meus filhos, meus irmãos e minha mãe e a memória de
meu pai – que permanentemente me estimula e ajuda.
A casa de meus pais era pobre, mas nunca
faltaram livros. E nem o trocado para as matinês de domingo. Eu aceito esta
dádiva, porque é oferecida a um homem simples, que a recebe com humildade e que
a aceita em nome de muitos. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE (Carlos
Alberto Garcia): Temos a
certeza que a Cidade agradece – e muito – o que nós ouvimos agora, porque, com
a simplicidade que contaste a tua história, Tabajara, pudeste retratar a cada
um as tuas vivências. E é disto que este mundo, cada vez mais, precisa: fé,
esperança e um depoimento vivo daquilo em que se acredita.
Convidamos toso os presentes para, em pé,
ouvirmos o Hino Rio-Grandense.
(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)
Estão encerrados os trabalhos da presente
Sessão.
(Encerra-se a Sessão às 17h16min.)
* * * * *