ATA DA QUADRAGÉSIMA QUINTA SESSÃO SOLENE DA PRIMEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA TERCEIRA LEGISLATURA, EM 08-11-2001.

 

 


Aos oito dias do mês de novembro do ano dois mil e um, reuniu-se, no Salão dos Espelhos do Clube do Comércio, a Câmara Municipal de Porto Alegre, nos termos do artigo 7º, § 1º, do Regimento. Às dezesseis horas e vinte e cinco minutos, constatada a existência de quorum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada à entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas, nos termos do Projeto de Resolução nº 052/01 (Processo nº 2325/01), de autoria da Vereadora Helena Bonumá. Compuseram a MESA: o Vereador Carlos Alberto Garcia, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre em exercício; o Senhor João Verle, Prefeito Municipal de Porto Alegre em exercício; o Senhor Paulo Flávio Ledur, Presidente da Câmara Riograndense do Livro; o Senhor Luiz Marques, Secretário Estadual de Cultura; o escritor Tabajara Ruas, Homenageado; a Vereadora Helena Bonumá, 1ª Secretária da Câmara Municipal de Porto Alegre. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. A Vereadora Helena Bonumá, em nome das Bancadas do PDT, PPB, PTB, PFL, PMDB, PHS, PSB e PPS, teceu considerações acerca da vida pessoal e profissional do Senhor Tabajara Ruas, avaliando a dimensão da obra artística e literária produzida por Sua Senhoria e justificando os motivos que levaram Sua Excelência a propor a concessão da presente honraria ao Homenageado. O Vereador Estilac Xavier, em nome da Bancada do PT, cumprimentou a Vereadora Helena Bonumá pela iniciativa de propor a concessão do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas, mencionando aspectos atinentes aos livros escritos por Sua Senhoria e destacando, em especial, a obra intitulada “Netto Perde Sua Alma”. O Vereador Raul Carrion, em nome da Bancada do PC do B, destacou a justeza da homenagem hoje prestada pela Câmara Municipal de Porto Alegre ao escritor Tabajara Ruas, discorrendo sobre a militância política desenvolvida pelo Homenageado ao longo de sua vida, notadamente no período da História Contemporânea em que o Brasil foi governado por militares. Após, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Senhores Paulo Flávio Ledur e Luiz Marques, que saudaram o Homenageado, salientando a importância da concessão do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas. A seguir, o Senhor Presidente convidou a Vereadora Helena Bonumá a proceder à entrega do Prêmio Literário Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas, concedendo a palavra ao Homenageado, que agradeceu o Prêmio recebido. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem a execução do Hino Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, agradeceu a presença de todos e declarou encerrados os trabalhos às dezessete horas e dezesseis minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Carlos Alberto Garcia e secretariados pela Vereadora Helena Bonumá. Do que eu, Helena Bonumá, 1ª Secretária, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada por mim e pelo Senhor Presidente.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): Estão abertos os trabalhos de presente Sessão Solene, destinada à entrega do Prêmio Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas. Convidamos para compor a mesa o homenageado, escritor Tabajara Ruas; o Prefeito em exercício de Porto Alegre, João Verle; a proponente desta Sessão, Ver.ª Helena Bonumá; o Presidente da Câmara Riograndense do Livro, Paulo Flávio Ledur e o Secretário de Cultura do Estado, Luiz Marques.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

Para a Câmara Municipal de Porto Alegre, hoje é um dia muito especial, por poder sair de seu local habitual e estar, neste momento, aqui no Clube do Comércio, o centro da literatura do nosso País, nestes dias. Um dia todo especial, um prêmio do mais alto significado, que é o Prêmio Érico Veríssimo, cuja proposição foi apresentada pela Ver.ª Helena Bonumá à Câmara de Porto Alegre e foi aprovada pelos trinta e três Vereadores, mostrando, por si só, a importância e a sabedoria da Casa em reconhecer no escritor Tabajara Ruas a contribuição da sua obra, não só para a Cidade de Porto Alegre, mas para o Estado e para o País.

A Ver.ª Helena Bonumá está com a palavra e falará em nome do PDT, PPB, PTB, PFL, PMDB, PSB e PHS.

 

A SRA. HELENA BONUMÁ: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Familiares de Tabajara Ruas, este aqui é um salão de baile, não é exatamente um salão de homenagens. Mas, nós quisemos aproveitar a oportunidade da Feira do Livro e fazer esta homenagem mais próxima da Feira. Não é, para nós, uma homenagem formal, portanto, não é apenas para cumprir rito. Ela tem um significado político importante nos tempos que nós vivemos. A proposição do nosso mandato à Câmara de Vereadores se insere num trabalho que nós procuramos fazer, que é contribuir para a inversão da lógica histórica de funcionamento do Parlamento no Brasil, de esforço de construir, de fato, espaços democráticos de participação que repercutam a riqueza, a contradição da sociedade e, no caso da Cidade em que vivemos, que saibam resgatar os elementos, os autores, a história desta sociedade em que vivemos. O resgate, portanto, que nós fazemos, com esta homenagem, da trajetória pessoal de Tabajara Ruas.

Começo pela história pessoal, porque é uma história que se identifica com a história de luta por democracia em nosso País e que é exemplo dela. O Tabajara militante, o Tabajara que se exilou, o Tabajara que constrói, na sua obra, resgatando elementos importantes da nossa história, constrói portas abertas para o futuro, a partir da afirmação da possibilidade de uma utopia. Portanto, nós queremos fazer homenagem a este militante da luta social, militante da vida, que é um artista e, com o seu trabalho, tem contribuído para a afirmação, para o resgate e para a recriação da nossa história, da nossa esperança. E também para a Câmara de Vereadores é uma solenidade importante, porque a Câmara de Vereadores de Porto Alegre é a Câmara de uma cidade que vivencia experiência democrática de gestão, onde, mais além de toda a experiência histórica de construção da Cidade, peculiar, singular que é Porto Alegre, se soma um exercício de alguns anos, que tem sido reconhecido em todo o mundo, de participação ativa da comunidade nas mais diferentes áreas, buscando construir concretamente espaços de decisão sobre os rumos da nossa história enquanto cidade. E nesse processo se afirma uma cidadania nova, com qualidade nova. E nesse processo se afirmam espaços democráticos de participação. E nesse processo se afirmam novos valores de solidariedade, inversos à lógica que vivemos. E é nesta Cidade, que busca construir uma nova cultura, que é importante o reconhecimento e a afirmação de uma obra como a de Tabajara Ruas. Tabajara, que tem na sua obra a luta contra o autoritarismo e a violência. Tabajara, que tem na sua obra o resgate de momentos históricos importantes da nossa Constituição, como o “Neto” e o drama da época, o drama do personagem e o drama da história. Como a Região Submersa, que fala de uma época mais próxima de nós e que nós, como militantes sociais e políticos, lutamos para transformar. E o Tabajara que fala do drama e da vida do momento.

Eu entendo que em realidade esta Cidade, que é Porto Alegre, que hoje, através da sua Câmara de Vereadores, homenageia a obra de Tabajara Ruas, vive, em nível do nosso País e mesmo em nível internacional, que é o reconhecimento que nós temos do Fórum Social Mundial, um processo que merece a nossa reflexão, que é um processo de recriar, de se recriar como sociedade, de se recriar como cidade. E é para isso que precisamos, Tabajara - como nós conversávamos outro dia -, aprofundar o debate sobre essas questões que a literatura nos traz, que a arte nos traz, que a arte e a literatura nos propiciam e que têm de ser elementos fundantes de um novo projeto, que faça avançar a potencialidade da nossa capacidade crítica, que recupere os elementos importantes da nossa história, e que principalmente se transforme em um futuro melhor para todos, como nós almejamos.

O resgate, portanto, que fazemos como mandato, como Câmara de Vereadores, como instituição, nesta 47ª Feira do Livro - porque esta também é uma cidade que é feliz, alegre, porque já tem, há tantos anos, nessa experiência afirmada e reafirmada da Feira do Livro, um exemplo da capacidade da sua população, que busca ser crítica, que busca ser criativa, que busca se reafirmar com direitos de cidadania -, entendo que este resgate que nós fazemos, esta solenidade fora do âmbito da Câmara, aqui, junto à Feira do Livro, tem o significado de que nós entendemos que na sociedade em que vivemos, na Cidade em que vivemos, nós fazemos uma disputa de projetos, nós fazemos uma disputa de construção de um mundo novo.

Nós queremos afirmar que um outro mundo é possível. É um mundo que faz parte dos nossos sonhos, mas que nós construímos principalmente com a nossa ação, com a nossa arte, com a literatura, com a intervenção política, com a construção que cada cidadão e cidadã desta Cidade faz ao participar, ao se afirmar como cidadão de Porto Alegre.

Eu deixo o meu abraço, o abraço do nosso mandato ao Tabajara e à sua família. Mais uma vez resgato essa dimensão importante: a busca de uma utopia no trabalho, na afirmação, no resgate histórico de afirmação de que um outro mundo é possível. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): O Ver. Estilac Xavier está com a palavra e falará em nome do PT.

 

O SR. ESTILAC XAVIER: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Familiares e amigos do homenageado, estimada Ver.ª Helena Bonumá, proponente da homenagem. Helena Bonumá, Vereadora e amiga, pessoa por quem nutro afeto pessoal e respeito pelo trabalho que compartilhamos numa Bancada minoritária dentro da Câmara de Vereadores, num espaço democrático, no qual ela, com sua serenidade, tranqüilidade, experiência e maturidade têm, por certo, sido um suporte fundamental para o perfil que temos hoje na nossa Câmara.

Em primeiro lugar, quero registrar isso, Ver.ª Helena.

Em segundo lugar, sinto-me honrado em estar, neste momento, como Líder do Partido dos Trabalhadores na sua Bancada, eis que essa oportunidade me permitiu que viesse a esta Sessão em que se entrega essa distinção que a Câmara Municipal de Porto Alegre, como representação política do Poder Municipal, faz, por justa e merecida entrega, ao escritor Tabajara Ruas.

Digo homenageado e honrado, porque são tempos muito difíceis. Permitam-me dizer que não li toda a obra de Tabajara Ruas, mas a conheço pela dimensão e vulto que ela tomou, no espaço cultural e político. Mas, uma obra que eu li e um filme, a partir da sua obra, que eu vi, Neto Perde sua Alma, me leva sempre a pensar naquele personagem, naquele jovem general, que, isolado nas suas convicções, trágicas e épicas ao mesmo tempo, não queria assinar um acordo que não contemplasse os negros que lutavam na guerra. Isolado nessa dimensão histórica e humana, creio que ali está uma identidade que deve associar os compromissos dos homens públicos, das expectativas e as esperanças que eles arrastam e que não podem ser jamais abandonadas. É um tempo difícil, mas também de muita esperança. E nós pretendemos, dentro da nossa modesta contribuição partidária, fazer com que este espaço público, na Cidade de Porto Alegre, no Governo do Estado e no Brasil, tenha o significado, a relevância e a dimensão humana que é dada à figura do general em Neto Perde sua Alma. Que fique aqui registrada a forma com que o nosso Partido, a nossa Bancada hoje expressa a sua homenagem – justa homenagem -, na entrega deste Prêmio Érico Veríssimo. Pode estar certo que, ao trazermos para o Salão dos Espelhos do Clube do Comércio, estamos refletindo tudo e um pouco daquilo que nós queremos para que a Cidade de Porto Alegre e o Brasil percebam, na dimensão humana de seu trabalho, na sua contribuição política e na sua militância, uma saída para todos nós. Mas que seja verdadeiramente democrática e essencialmente justa.

Fica o nosso agradecimento, que é a nossa homenagem, e, ao mesmo tempo, o nosso reconhecimento. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): Registramos a presença do Ver. Marcelo Danéris, Vice-Líder do PT, e do Sr. Roque Jacob, que, neste ano, já assumiu inúmeras vezes como Vereador, na Câmara Municipal.

O Ver. Raul Carrion está com a palavra e falará em nome do PC do B.

 

O SR. RAUL CARRION: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Eu queria, neste início, deixar um abraço fraterno, não só meu, mas do Partido Comunista do Brasil, PC do B, ao nosso Tabajara – na verdade Marcelino Tabajara Gutierrez Ruas, conhecido por todos como Tabajara Ruas -, cidadão do mundo na verdadeira acepção que lhe deu Maiakovski, e que, talvez, nessa caminhada por este mundão afora recolheu tanta experiência, tanta sabedoria, tanto conhecimento, que nos brinda, na sua enorme obra literária, artística, tão corretamente homenageada hoje.

Apesar de nunca ter tido uma relação pessoal mais estreita com o Tabajara, há muitos anos nos conhecemos e, talvez, em momentos cruciais para ambos e decisivos para as nossas vidas e para os rumos que tomamos, tivemos coincidências e convivências. Recordando algumas, porque falar sobre a obra do Tabajara seria supérfluo. Primeiro, na década de 60: ele estudante da Arquitetura, eu estudante da Engenharia, ambos da UFRGS, onde atuamos ativamente no Movimento Estudantil e na resistência à ditadura, sofrendo as conseqüências daí advindas. De 71 a 73 também estivemos no Chile. Eu havia sido preso aqui, em maio, e para lá segui em agosto. Não sei exatamente quando o Tabajara foi, por outros rumos e outros caminhos. Ele em Valparaiso, eu mais em Santiago. Não me lembro se no exílio nos encontramos – passam-se os tempos, envelhecemos, mas me recordo, já na embaixada argentina, logo após o golpe de Pinochet, onde durante meses lá estivemos convivendo, nas grandes assembléias, com cerca de quinhentos exilados brasileiros que se acotovelavam na embaixada argentina. Depois de muita resistência do governo argentino, que não nos queria como asilados, apesar de todos os tratados internacionais, primeiro fomos parar em Empedrad, nas barrancas do rio Paraguai, creio que na Província de Formosa. Depois de mais alguns meses ali, conseguimos como que um trânsito por Buenos Aires – me recordo na Calle Combate de Los Pozos, onde mais alguns meses aguardamos sob os cuidados da ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, para, quem sabe, ir para a Europa. Eu acabei ficando por lá, clandestinamente. Tu seguiste para a Dinamarca. E depois voltamos a nos encontrar já no Brasil, no período da luta da redemocratização e da luta pelas transformações sociais inadiáveis do nosso País. E sempre o Tabajara, um homem afável, sempre sorridente, criativo, imaginativo, digno, sem qualquer vacilação, atitude que conserva até hoje, num período de tantos trânsfugas, tantos arrependidos, com a clareza, com a clarividência, com a sensibilidade que um artista tem, que não pode se conformar com este mundo que hoje nós vivemos e com a confiança de que outro mundo é possível. Mas, para que outro mundo seja possível, é necessário que outros homens e outras mulheres sejam possíveis, de outra forma.

Eu queria deixar um grande abraço. Que perseveres, tanto nessa caminhada artística, nessa caminhada como homem sensível às dores, aos sentimentos do nosso povo, mas também um cidadão, acima de tudo, que se indigna com a injustiça, com a opressão, com a exploração, e faz também da arte uma arma importante para transformar o mundo. Um grande abraço e parabéns, mais uma vez. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): Nós teremos agora uma palavra especial. Não é de nenhuma bancada, é da bancada da Feira do Livro. O Sr. Paulo Flávio Ledur, Presidente da Câmara Riograndense do Livro, está com a palavra.

 

O SR. PAULO FLÁVIO LEDUR: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Amigas e amigos do livro, eu não pertenço à bancada de Vereadores da Câmara de Vereadores, mas pertenço à bancada da Câmara Riograndense do Livro. Sinto-me muito honrado em representar essa Câmara perante o nosso Legislativo Municipal. Quero dizer que a Feira do Livro sente-se homenageada ao receber, mais uma vez aqui, nesta Sessão Solene da Câmara, que faz a entrega do já consagrado Prêmio Erico Veríssimo. Aliás, é a terceira vez consecutiva que isto acontece no ambiente da Feira do Livro. E prova, mais uma vez, que a Feira do Livro é o evento cultural mais amado do mundo. Nós somos pretensiosos, mas a Câmara de Vereadores está reconhecendo isso.

Eu trago também a palavra do nosso patrono, Tabajara. Ele é muito solicitado na Feira do Livro e neste momento está em palestra em outro evento, nos ambientes da Feira do Livro. Por isso, pediu-me que lesse um bilhete que está deixando para o nosso homenageado: “Tabajara, impossibilitado de comparecer pessoalmente à entrega do Prêmio Érico Veríssimo, que te será conferido pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre, envio-te este bilhete. És um romancista de imenso talento. E por essa razão, o Prêmio é um reconhecimento público do teu trabalho, merecidíssimo. És um dos poucos escritores brasileiros que, além de produzirem obras ficcionais inesquecíveis, possuem aquilo que constitui a glória de um autor: estilo. Ou seja, és um mestre da linguagem concisa, ágil, eletrizada de emoção e de uma cristalina elegância. Tabajara, és também um grande caráter. Tua integridade preserva, neste início de século, a maravilhosa ética do fio do bigode de nossos ancestrais. És, enfim, um amigo fiel e carinhoso, daqueles sem os quais no próprio paraíso não estaríamos felizes. Aceita o meu abraço fraterno e carinhoso e, nele, o abraço de todos os leitores, cuja pátria é a língua portuguesa. O Rio Grande te agradece o talento, e eu te agradeço a amizade. Armindo Trevisan.”

Das palavras do Armindo Trevisan faço também minhas palavras. Muito obrigado. (Palmas.)


(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): Esta é a grande vantagem da Feira do Livro, que é um lugar essencialmente cultural. Por falar em cultura, está com a palavra o Secretário de Cultura do Estado, Luiz Marques.

 

O SR. LUIZ MARQUES: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa.) Sr. Ledur, que preside uma outra Câmara muito importante, que é a Câmara Riograndense do Livro, responsável maior pela maravilha que temos aqui na Praça, orgulho não só dos gaúchos, mas dos brasileiros, que é a Feira do Livro já na sua 47ª edição.

Três observações muito rápidas a respeito deste Prêmio. Uma, o fato dele se realizar no Salão dos Espelhos desta instituição, um local muito adequado, muito apropriado para quem dedica a sua vida à cultura e às artes, não apenas à literatura, mas também - como vimos há pouco tempo e ainda nas salas, esperando novos espectadores -, com o filme que arrebatou quatro kikitos no Festival de Gramado, Neto Perde a sua Alma.

Tabajara é um homem da cultura multifacetado, que faz transbordar o seu talento em várias manifestações artísticas. E é capaz de fazer com que cada um de nós se faça melhor. Num trabalho que, ao contrário do que se possa pensar, muitas vezes exige uma legião de colaboradores, outros talentos.

E eu gostaria de tomar a liberdade para citar dois que estão aqui prestigiando esta cerimônia: dois combatentes da causa da República e da causa da abolição: o nosso companheiro Silmar e o nosso querido Werner Schunemann. O Salão dos Espelho é o local apropriado para quem, através da ferramenta que é a arte, nas suas diversas vertentes, procura descobrir os segredos, as contradições, as complexidades da alma humana. Mas, segundo a informação em relação ao Tabajara, esse militante da sensibilidade humana, militante da consciência crítica, esse militante do nosso tempo tem a ver com o reconhecimento. O reconhecimento em vida. Um antigo filósofo, Hegel, dizia que é a história da humanidade, outros depois diriam que ela é uma permanente luta de classes. Para Hegel, no entanto, era uma luta pelo reconhecimento.

A homenagem do Tabajara deve ser incorporada por todos nós como um lembrete de que a luta que travamos é por uma sociedade que mereça o nome de republicana, que tenha valores igualitários e solidários presentes nas relações sociais cotidianas de todos. É também uma forma de nos dizer que essa sociedade pela qual nós tanto lutamos só será alcançada na medida em que nós resolvermos os graves problemas históricos, sociais que afligem nosso povo, os graves problemas econômicos históricos que afligem nosso povo. Mas que nós sejamos também capazes de saldar uma outra dívida. A dívida que nós temos para com o nosso povo – os poderes públicos, de uma forma em geral; as classes detentoras do capital, de uma forma particular –, para com a cultura e para com as artes. Esse reconhecimento amplia a nossa noção de cidadania, até uma cidadania social, econômica e cultural. Que bom, do fundo do coração, Tabajara, que esse lembrete que amplia, dá mais envergadura, a nossa luta, tenha como prócer no dia de hoje o Tabajara Ruas. Muito obrigado, Tabajara, por existirem pessoas como tu és, em primeiro lugar. Muito obrigado pelo trabalho que dignifica a todos nós. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): Convido a Sr.ª Helena Bonumá a proceder à entrega do Prêmio Érico Veríssimo ao escritor Tabajara Ruas.

 

(Procede-se à entrega do Prêmio.) (Palmas.)

 

O Escritor Tabajara Ruas está com a palavra.

 

O SR. TABAJARA RUAS: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Antes de mais nada, quero deixar claro que esta é, para qualquer escritor, uma ocasião extraordinária. Para mim, de modo particular, é extraordinária, não somente pelas circunstâncias formais deste ato, ou pela generosidade do poder que o propiciou, mas porque, de alguma maneira, talvez uma maneira misteriosa, afinal é a maneira como se decidem os destinos humanos, minha vida sempre esteve ligada, de modo íntimo e emocional, com a Cidade de Porto Alegre e a obra caudalosa e única de Érico Veríssimo.

Eu nasci às margens do rio Uruguai. Minha pequena Cidade, na imensidão do Pampa, é a Cidade de Uruguaiana. A obra de Érico Veríssimo foi a primeira ruptura estética no universo cultural do adolescente que morava na Cidade da fronteira. De Érico Veríssimo recebi a maior das lições, que ainda vale muito nos dias de hoje. Essa lição, simples e verdadeira, está em todos os seus livros e consiste em entender que a grandeza está à nossa volta, basta saber olhar e saber ver.

Da Cidade de Porto Alegre eu recebi o estímulo à capacidade de sonhar. Meus amigos, como aquele bando de adolescentes sonhava com a Cidade de Porto Alegre, lá na distante Uruguaiana! Porto Alegre era nosso farol e nosso guia!

Para os escritores, as palavras parecem sempre insuficientes, ou pouco claras, ou dúbias. Eu gostaria de poder explicar aqui, bem claro, que sinto, verdadeiramente, no meu íntimo, que esta homenagem não é apenas para mim, indivíduo, mas para um membro daquele grupo de adolescentes que tinham sonhos comuns de beleza e de justiça e que conviviam na distante Cidade na fronteira com a Argentina. Alegra-me pensar que esta homenagem também é para a turma do ginásio do Colégio Santana, do científico do Dom Hermeto, do grupo que ficava até a madrugada na esquina da rua Duque, ou nas arquibancadas do Esporte Clube Uruguaiana, falando, pensando, temendo e desejando aquela cidade anunciada no nosso destino, a capital do Rio Grande do Sul, a distante cidade mítica e enigmática dos numerosos cinemas e teatros, e do Grêmio e do Inter, e dos concertos e exposições.

De um modo ou de outro, todos acabaríamos pisando o chão de Porto Alegre, para o bem ou para o mal. Chegávamos a Porto Alegre exasperantemente jovens, exasperantemente temerários, ignorantes e inocentes como jamais seríamos outra vez. Íamos estudar arquitetura, medicina, engenharia, jornalismo, íamos entrar na política, íamos ganhar dinheiro, íamos conquistar o mundo, íamos saber que, afinal de contas, éramos. Cada um de nós com seu sonho secreto! Havia uma ditadura no País e em Porto Alegre ela estava na nossa cara. Em Porto Alegre éramos obrigados a escolher. Em Porto Alegre nossa geração aprendeu a tomar partido. Na praça da Redenção eu li A Rosa do Povo, no cinema Avenida eu assisti Rocco e Seus Irmãos, no cinema Cacique eu assisti Deus e o Diabo na Terra do Sol, no Teatro de Arena eu assisti A Resistível Ascensão de Artur, no Teatro de Arena, após a sessão, prenderam todo o elenco – Luiz de Miranda, inclusive. Naqueles dias, no final dos anos 60, vi um estivador mostrar a jaqueta ensangüentada para o Governador, numa janela do Palácio Piratini. Ouvi a autoridade dizer que aquilo era um abuso de poder que jamais se repetiria. Repetiu-se, sabemos, com esse ou aquele, mas isso não significou confusão ou desesperança.

Em Porto Alegre começamos a pensar como adultos, no grande país que nos coube viver. Descobrimos – e isso ainda nos abala, e muito – que em cinco séculos, a visão civilizatória do europeu destruiu flora e fauna que conviveram mais de quinze mil anos com os povos ameríndios. Em quinhentos anos, a visão evangelizadora e escravista do europeu executou um genocídio do qual pouco se fala ou se explica. Apenas aqui, na região Sul do Brasil, viviam mais de quinhentos mil indígenas; hoje, restam menos de dez mil. Da orgulhosa nação Guarani, restam menos de setecentos sobreviventes no Rio Grande do Sul.

O que nos cabe indagar, como cidadãos de hoje, antes de nos entregarmos às lamentações, é se essa visão predatória, genocida, escravista ainda perdura, mesmo que sob disfarces sutis. Nos dias de hoje, o ódio se espalha no planeta como uma doença. Bem-aventurada esta Cidade, que escolhe um poeta para patrono da sua maior festa! Que a poesia de Armindo Trevisan, o poeta do amor, caia sobre nós como chuva e nos encharque com sua beleza! Porto Alegre, para quem foi jovem nela, soube ensinar as nuances – e tenho certeza que a magia continua nos dias de hoje.

Em Porto Alegre, eu vi Pelé driblar nove jogadores do Grêmio. Uma vez, na fila do restaurante Universitário, na João Pessoa, eu vi Érico passar sorrindo e abanando para os estudantes. Em Porto Alegre, eu fui obrigado a confiar cegamente na palavra do companheiro. Em Porto Alegre, muitas vezes – o Raul sabe – jogamos o jogo verdadeiro, onde a derrota era o cárcere ou a morte. Em Porto Alegre, prestei atenção ao outono e aprendi que até a mais ligeira brisa roçando no rosto de um homem pode mudar uma página ou uma vida.

Eu quero dividir este Prêmio com a minha família - minha mulher e meus filhos, meus irmãos e minha mãe e a memória de meu pai – que permanentemente me estimula e ajuda.

A casa de meus pais era pobre, mas nunca faltaram livros. E nem o trocado para as matinês de domingo. Eu aceito esta dádiva, porque é oferecida a um homem simples, que a recebe com humildade e que a aceita em nome de muitos. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Carlos Alberto Garcia): Temos a certeza que a Cidade agradece – e muito – o que nós ouvimos agora, porque, com a simplicidade que contaste a tua história, Tabajara, pudeste retratar a cada um as tuas vivências. E é disto que este mundo, cada vez mais, precisa: fé, esperança e um depoimento vivo daquilo em que se acredita.

Convidamos toso os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 17h16min.)

 

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